A economista suíça Yvette Jaggi fala sobre a experiência de participar do processo de renovação da Constituição de Cantão de Vaud, na Suíça, e a possível aplicabilidade no Brasil
Na última terça-feira (12), o Centro Ruth Cardoso (CRC), em parceria com a Fundação Fernando Henrique Cardoso (FFHC), realizou a palestra “A Política Feita de Outro Modo: uma Assembleia Constituinte na Suíça”, com Yvette Jaggi, que falou sobre a sua experiência como copresidente da Assembleia Constituinte de Cantão de Vaud, em Lausanne. A economista ainda analisou a atual conjuntura democrática do Brasil. O debate contou com a mediação de Sérgio Fausto, cientista político e superintendente da FFHC.
Fausto começou o debate apontando as diferentes experiências no que tange a participação popular na gestão pública nos dois países. Ele analisou que tal participação na Suíça era visível já na Idade Média e passou a ser imprimida na Constituição Federal, no século 19. Enquanto no Brasil, a participação popular na gestão pública, como pressuposto do sistema democrático-participativo adotado no país, se deu somente a partir da Constituição Federal de 1988.
O moderador destacou a importância de ouvirmos e aprendermos com a experiência da Suíça, uma vez que o Brasil é um país jovem e ainda com uma democracia incipiente. Ao mesmo tempo, a economista diz acreditar que o assunto seja estimulante para os brasileiros, já que o país está vivendo um cenário específico e difícil, similar ao vivido pelo Cantão de Vaud, região representada por Jaggi quando Senadora no Parlamento, em 1990.
“Nessas condições em que estávamos de dificuldade, a população sentiu que era preciso uma mudança. O movimento de renovação da nossa cidadania e mais particularmente a aparição concreta do desejo de uma nova Constituição”, disse Jaggi.
Diferenças
Essa necessidade de renovação partiu da população. “É uma experiência real. A transposição para a realidade do Brasil é, aparentemente, impossível de fazer, já que as diferenças de espaços e tempo entre os países são muitas. Primeiramente, por conta da estrutura do próprio Estado. Na Suíça, temos uma Confederação de Estados reunidos que decidiram fazer parte Constituição, portanto, eles têm a soberania sobre suas decisões. Mas aqui no Brasil, vocês têm uma República Federativa. Desta forma, a vida do país é orientada com base nas decisões tomadas em Brasília”, analisou a economista.

Yvette Jaggi no CRC.
Para se fazer entender pelo público brasileiro, a economista explicou sobre a complexidade organizacional suíça. “Na base, nós temos as regiões chamadas comunas, que dependem cada uma do seu respectivo Cantão. Os Cantões são estados federados com soberania em relação à Federação, que é, por sua vez, um Estado subsidiário. Tudo passa pelos Cantões, o que dificulta muita coisa, pois temos 26 Cantões, assim como vocês têm 26 Estados Federais”.
O Parlamento Suíço é constituído por duas Câmaras: uma de deputados e a outra de senadores. Já o Brasil, por ser um país maior, possui um Congresso Nacional com mais de 500 membros e 81 senadores.
“Para vocês terem dimensão, a superfície do Brasil é 208 maior do que a superfície territorial da Suíça. A população do Brasil é 25 vezes maior, mas a densidade populacional suíça é oito vezes maior, já que temos uma área que é quase inutilizada, em decorrência dos Alpes. Além disso, temos a reputação de sermos uma região muito rica, sendo o PIB por habitante um pouco mais de 10 vezes superior ao PIB do Brasil. Então, pode ser que, inicialmente, a experiência de realizar uma Nova Constituição não seja viável para a realidade brasileira, mas vou demonstrar o contrário”, explicou.
O início das mudanças
“A revisão de uma Constituição é um evento raro em uma democracia. Desde meados dos anos de 1990, o contexto político e econômico da Suíça estava bem degradado.Por isso, a ideia de se instaurar uma Assembleia Constituinte e propor uma nova redação para substituir a Constituição de 1885. Reitero que este processo não foi realizado de cima para baixo, por parlamentares, mas sim a partir da participação popular. Naquela época, em 1999, a Constituinte precisava ser composta por 180 pessoas eleitas para fazer parte desse processo de renovação. Tivemos mais de 1000 candidatos para participar, vindo de várias formações acadêmicas”.
O resultado da eleição se refletiu na composição da Assembleia: 30% de mulheres, outra metade com membros com mais de 50 anos por disponibilizarem de mais tempo que as pessoas mais jovens. “Eu senti que a sociedade estava bem representada tanto na sala, quanto na bancada política”, comentou Jaggi.
Algumas pessoas eleitas renunciaram ao ver o programa de trabalho e os que ainda continuaram, de acordo com Jaggi, tiveram que apresentar sobriedade para assuntos como a presença ou não da figura de Deus ou das igrejas na Constituição; a autorização do suicídio assistido; a proteção de animais; a não discriminação de homossexuais; e outras situações que eram vistas como prioritárias.
Passados três anos, uma Nova Constituição de 170 artigos nasceu. “As pessoas que participaram tornaram-se amigos. Foram além das diferenças de opiniões e descobriram nosso Cantão, assim como descobriram nossa missão política”, falou a economista.
Resultados
Após cinco anos do surgimento da Nova Constituição, Jaggi diz que a situação já se encontrava diferente – para melhor. Ela explica que mudanças como direito ao voto aos estrangeiros que não tinham passaporte suíço foi concedido, por exemplo. O estrangeiro precisava ter residência de, ao menos, 10 anos no território suíço e três anos no Cantão de Vaud. Outros exemplos, em relação a separação do Estado da Igreja e de como organizar a comunidade católica, em particular, que até então, estava impedida de fazer atividades públicas e tocar o sino, devido aos conflitos históricos na região, também foram resolvidas.

Yvette Jaggi e Sérgio Fausto.
“Organizamos audiências públicas para explicar e debater com a população. Realizamos boletins e materiais impressos sempre buscando a opinião pública, e a aprovação da Constituição foi realmente incrível, entrando em vigor em setembro de 2002, período que se comemorava os 200 anos da região”, falou a economista.
No Brasil
Jaggi acredita que uma das coisas que precisa ser renovada no Brasil é a quantidade de partidos políticos (atualmente, são cerca de 30, mais da metade existente na Suíça). “Não há uma aproximação da população com os partidos, principalmente, em relação às mulheres com os partidos tradicionais, que ainda hoje são contra os avanços de direitos. Tem também o regionalismo, as pessoas são eleitas para defender as causas e recursos do seu estado próprio, sendo que o interesse geral deveria prevalecer”, falou.
Perguntada pela plateia sobre como inserir a participação popular nos assuntos, mas sem precisar de um quórum parlamentar para que essas decisões sejam, de fato, votadas, a economista apontou, primeiramente, para o fato de a Constituição brasileira ser jovem, mas que já passou por modificações (por Propostas de Emendas Constitucionais – PECs) sem, necessariamente, a participação popular.
“Na Suíça temos uma democracia semidireta, que significa que o povo pode participar no nível federal, mas também no nível cantonal e comunal, de forma muito particular. Três milhões de cidadãos suíços estão inscritos a nível federal, então, se você tem 100 mil assinaturas, já pode propor um artigo para a Constituição Federal. Para um artigo da Constituição Cantonal, temos 350 mil pessoas, então 12 mil assinaturas é suficiente. Já no nível local, temos 68 cidadãos com direito de voto, então seis mil já é suficiente. É muito fácil propor uma mudança, ser autor de um artigo federal é muito simples. O povo pode coletar assinatura e dizer que não está de acordo com alguma lei”, explicou. “Os políticos que são eleitos tomam muito cuidado em relação a explicar porque essa decisão vai ser tomada e não aquela. No governo suíço, é impossível realizar qualquer atividade sem considerar a maioria popular”, finalizou.